Salas lotadas, grupo de fãs caracterizados, conversas, especulações e muitas pessoas com a certeza de que assistiriam a um bom filme. Tudo isso você esperava encontrar em uma sessão de estreia de qualquer filme da Marvel. Desde 2008, com “Homem de Ferro”, tudo que o estúdio produzia se tornava um fenômeno midiático e de bilheteria. Sim, “se tornava”. No passado. Agora, quando um filme do Universo Cinematográfico da Marvel (MCU) chega às telonas, é comum ver salas com muitos lugares vazios e fãs que estão ali pela nostalgia e pela esperança da volta aos bons tempos.
Neste contexto, dá pra entender a baixa expectativa em torno de “As Marvels”. Para quem não é fã do MCU, o filme pode funcionar por seguir a fórmula “Sessão da Tarde”, que costuma agradar o público, mas sem provocar fortes emoções. Mas para admiradores da frnaquia, o filme é exatamente o que prometia ser: uma decepção.
“As Marvels” conta a história de um grupo recém-formado pelas heroínas Carol Danvers (Brie Larson), Monica Rambeau (Teyonah Parris) e Kamala Khan (Iman Vellani). Enquanto se conhecem e aprendem a lidar com suas personalidades diferentes, as três precisam unir forças para impedir que a vilã Dar-Benn (Zawe Ashton) destrua o universo enquanto tenta reconstruir seu planeta — destruído pela própria Capitã Marvel no passado.
A verdade é que o filme solo da Capitã, lançado em 2019, já não era um dos melhores filmes do MCU. Apesar de ter feito 1 bilhão de dólares em bilheteria ao redor do mundo, o longa não foi tão bem aceito pelo público. A atuação de Brie Larson foi o ponto que mais recebeu críticas, que continuaram mesmo em filmes onde a personagem aparecia apenas brevemente. E não é segredo pra ninguém que a atriz há tempos não demonstra entusiasmo ao dar vida à Carol Danvers, o que fica claramente visível nesta mais nova aventura.
Em quase todas as cenas é possível ver uma Capitã Marvel apática, sem emoção, e isso prejudica a interação dela com todos os outros personagens. A relação mal resolvida dela com Monica, um dos arcos do filme, não funciona justamente pela falta de química entre as duas. De um lado, é notável que Teyonah Parris está se doando ao máximo para o papel e para ganhar o espaço dela nas tramas futuras. Mas do outro lado, Brie parece não fazer questão de esconder que está ali por força de contrato.
Enquanto falta carisma para a líder da equipe, a novata Kamala Khan tem de sobra. Entusiasmo, energia e diversão são apenas algumas características da Ms. Marvel, personagem que encanta o público desde a sua série própria, lançada em 2022. A atriz paquistanês-canadense já revelou ser uma grande fã da Marvel (assim como sua personagem) e isso fica evidente na tela. Todas as cenas, e em todas as suas interações com os outros atores, é possível ver o brilho nos olhos da jovem, que é facilmente o maior destaque da produção, apesar do roteiro — assinado pela diretora Nia DaCosta ao lado de Megan McDonnell e Elissa Karasik — apresentar sua personagem de maneira superficial.
Quem não assistiu a série “Ms. Marvel” pode não entender vários pontos importantes da personalidade de Kamala e pensar que ela é apenas uma adolescente chata. Mas quem viu a série consegue assimilar a doçura, a verdade, a força e a determinação de Kamala para além de ser uma superfã de Carol Danvers. E mesmo sem conhecer a fundo a personagem, o público é capaz de se envolver e rir com a jovem, muito graças também à atuação de Iman Vellani, que se destaca até mesmo entre atores veteranos no MCU, como é o caso de Samuel L. Jackson, que volta a interpretar Nick Fury.
Fora a presença de Kamala, o filme se destaca pelo visual colorido e harmonioso, com diferentes (e inusitados) planetas, além de efeitos especiais competentes. E é isso. Os pontos positivos de “As Marvels” acabam aqui.
O roteiro é medroso e não aprofunda em nenhum tema relevante que poderia acrescentar algo à história, deixando perguntas sem resposta. Qual a origem dos braceletes mágicos? Por que um deles estava na Terra e outro em um planeta distante? Como a Capitã Marvel não pensou em uma maneira de resolver o estrago que causou em Hala durante todo esse tempo? Sem falar das questões levantadas na série “Invasão Secreta” (2023) que foram deixadas de lado, como se a produção nunca tivesse existido. Como Nick Fury, que sofreu perdas de pessoas tão importantes, está tão leve e divertido? E por que Talos, um dos líderes do povo Skrull, não aparece? Fica a impressão que as roteiristas preferiram dar mais tempo de tela para gatos engolindo tripulantes de uma nave a responder a perguntas que poderiam enriquecer a trama.
O roteiro de “As Marvels” ainda dá um desfecho tão simplista para a vilã Dar-Benn que chega a ser bobo. Não que ela merecesse muito mais, já que ao longo do filme a personagem tem falas clichês, atitudes sem sentido e não consegue ter uma ligação forte com outros personagens que estão ao seu redor.
Mas o principal ponto negativo do filme é a montagem. Como as três personagens têm a troca de poderes constante, a montagem precisava ser muito bem executada, o que não acontece. Em alguns momentos, parece que estamos vendo um épico bíblico e, logo depois, uma comédia, para em seguida virar uma novela mexicana. Não há coerência e os cortes são mal feitos e corridos, podendo facilmente confundir o público.
“As Marvels” escancara a crise no MCU e mostra que não existe mais unidade entre um filme e outro, algo tão bem construído na saga das Joias do Infinito. Não há mais integração de histórias ou personagens, e fatos importantes abordados anteriormente simplesmente não têm relevância em outra história. Este é mais um título que tinha a missão de trazer diversas respostas, mas que na verdade é apenas mais uma produção irrelevante da Marvel. O filme só não é completamente descartável porque possui uma cena pós-créditos que dá ao público o que ele tanto quer ver na franquia: os X-Men. E se os fãs clamam tanto pela volta desses “novos” personagens é porque, infelizmente, eles não têm mais esperança no MCU atual. ■
filme as marvels
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AS MARVELS (The Marvels, 2023, EUA). Direção: Nia DaCosta; Roteiro: Nia DaCosta, Megan McDonnell, Elissa Karasik (baseado nos quadrinhos da Marvel); Produção: Kevin Feige; Fotografia: Sean Bobbitt; Montagem: Catrin Hedström, Evan Schiff; Música: Laura Karpman; Com: Brie Larson, Teyonah Parris, Iman Vellani, Zawe Ashton, Samuel L. Jackson; Estúdio: Marvel Studios; Distribuição: Walt Disney Studios; Duração: 1h 45min.
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Onde ver "As Marvels" no streaming:
Jornalista e crítica de cinema, sempre que pode está falando de filmes de heróis, animações, comédias românticas ou blockbusters. O jornalismo esportivo foi sua grande paixão durante a graduação. Há pouco, descobriu que o que gosta mesmo é de falar sobre produções audiovisuais, sejam elas filmes que concorrem ao Oscar ou um bom título do Darren Star. Atualmente também trabalha como produtora de TV na Rede Minas.