Um homem, que é o chefe da família, tem o sonho de se tornar um atleta. Durante toda sua vida, esse personagem lutou contra adversidades socioeconômicas; pessoas que desacreditaram dele; falta de planejamento e até a ausência de sua própria confiança. Em um certo momento, esse rapaz consegue entrar para o mundo do esporte e seu sonho passa a se tornar algo palpável, bem ali na sua frente. Porém, algum imprevisto acontece e o que estava prestes a se tornar realidade, volta a ficar apenas na esfera da utopia. Mas esse pai de família passa a ter uma ideia, que ele acredita ser ótima para todos: “E se meu filho (ou filha) seguir os meus passos e realizar minhas idealizações profissionais?” A partir daí, ele projeta sua expectativa em uma outra pessoa, que, geralmente, ainda é uma criança que não faz ideia do que deseja para o seu futuro profissional.
Neste contexto, é plausível que o filho aceite a orientação do pai, afinal, o “plano” parece ser apenas uma oportunidade de passar mais tempo com a pessoa amada. Entretanto, com o passar dos anos e momentos de descobertas, esse jovem já entende o que quer ou não para o futuro e, assim, dois caminhos são construídos para seguir: ou ele busca ter sucesso em suas próprias aspirações profissionais ou continua se esforçando para cumprir a projeção do patriarca.
A segunda opção é mais convidativa, pois, de acordo com o líder da família, esse caminho pode ser benéfico financeiramente para todos os integrantes e proporcionar uma vida confortável para o grupo. E, geralmente, é o que acontece. Porém, em algum momento, essa pessoa passa a se questionar se fez a escolha certa. Dúvidas e arrependimentos começam a se tornar presentes no dia a dia e, muitas vezes, esses sentimentos provocam um embate com aquele pai que quase obrigou o filho a seguir o caminho que ele desejava. E consequentemente, a mãe da família também é ferida emocionalmente e tende a brigar com o esposo, e com isso, todos ficam frustrados em algum momento.
Diversos filmes famosos de Hollywood, como “King Richard: Criando Campeãs” e “Cisne Negro”, seguem o roteiro que acabei de descrever e que também vale para “Garra de Ferro”. Porém, mesmo sendo um enredo já utilizado várias vezes, aqui ele é narrado de uma maneira que toca o público de um modo menos superficial.
O longa, dirigido por Sean Durkin (de “Martha Marcy May Marlene” e “O Refúgio”), é baseado na história real da dinastia na luta livre da família Von Erich. No início dos anos 1980, os inseparáveis irmãos Kevin (Zac Efron), Kerry (Jeremy Allen White), David (Harris Dickinson) e Mike (Stanley Simons) marcaram o mundo do wrestling profissional, sob o treinamento do ambicioso e dominador pai Fritz Von Erich (Holt McCallany). Mas o sucesso da família não foi o suficiente para evitar a “maldição dos Von Erich”.
Apesar das fatalidades presentes na narrativa, no início, o roteiro de Durkin aborda momentos felizes e descontraídos da família, que tinha como destaque a cumplicidade e o amor entre os irmãos. O público é capaz de se envolver com os personagens e a ter empatia com a amizade entre eles, mesmo quando algumas divergências são apresentadas. O carisma dos quatro atores que dão vida na tela aos famosos nomes do wrestling é fundamental para o decorrer do filme, e principalmente, para a inserção do espectador na trama.
O protagonismo de Kevin é muito bem apresentado e o arco do rapaz é desenvolvido de maneira completa, com o personagem crescendo emocionalmente e mostrando como os acontecimentos da história trazem pesadas consequências ao seu estado psicológico — e mesmo assim, ele continua oferecendo amor e carinho às pessoas à sua volta. A atuação de Zac Efron traz profundidade, um peso dramático ao filme, além de expressar uma certa ingenuidade e mostrar o nível melancólico da pessoa que se tornou retraída devido à influência de alguém muito importante para sua vida. Não seria surpresa se o ator tivesse sido indicado ao Oscar. É fácil ver sua dedicação na construção do personagem, além da interpretação ser intensa. Porém, o longa foi completamente esnobado pela premiação, provocando um sentimento de injustiça até mesmo no diretor do filme — Durkin relatou, em entrevista, estar decepcionado com o fato da performance de Efron ter sido ignorada pela Academia.
Ainda falando sobre show de atuação, o ator queridinho dos fãs da série “The Bear” está ótimo no longa. Ao dar vida a Kerry, o irmão que entra para o mundo da luta após um contratempo e vira um fenômeno do esporte, Jeremy Allen White mescla devoção, admiração e zelo pela família, com uma personalidade densa e que clama pela atenção daqueles que o cercam. Um outro ponto importante é Fritz, pai responsável pela maioria dos acontecimentos que são apontados como fatalidades causadas pela maldição da família. Holt McCallany entrega ao público um personagem carregado de traumas pessoais e que causa dor nas pessoas ao seu redor com sua ganância e falta de empatia.
O roteiro de “Garra de Ferro” tem um bom desenvolvimento de quase todos os integrantes da família, com exceção de Doris, mãe e esposa, interpretada por Maura Tierney. Apesar da falta de um arco mais completo para a personagem, a escolha do roteiro é compreensível, afinal, a matriarca não teve um papel tão forte na tragédia dos Von Erich. A narrativa faz questão de mostrar uma mulher submissa, que não se impõe ao seu marido e nem atende aos pedidos de atenção dos filhos, o que faz ficar ainda mais visível que a falta de desenvolvimento dela foi proposital.
“Garra de Ferro” só deixa a desejar por não explorar mais a fundo a própria luta livre, que é o pano de fundo principal do enredo. Faltou explicar com mais detalhes sobre a modalidade, como regras, história e características específicas do esporte.
Como Durkin relatou durante o lançamento do longa, “Garra de Ferro” é sobre “a ausência de luto e o que pode acontecer quando as pessoas se recusam a olhar para a sua dor”. Masculinidade equivocada, questões geracionais, problemas familiares e falta de diálogo e afeto são abordados no filme de uma maneira tocante e nada comum. E talvez seja exatamente por isso que o longa se destaca no pote das várias produções sobre projeções familiares e frustrações em carreiras. Durkin e todo o elenco conseguiram apresentar uma história trágica utilizando abordagens que não permitiram que tudo não passasse de mais um clichê hollywoodiano. ■
garra de ferro
garra de ferro
GARRA DE FERRO (The Iron Claw, 2023, Reino Unido, EUA). Direção: Sean Durkin; Roteiro: Sean Durkin; Produção: Tessa Ross, Juliette Howell, Sean Durkin, Angus Lamont, Derrin Schlesinger; Fotografia: Mátyás Erdély; Montagem: Matthew Hannam; Música: Richard Reed Parry; Com: Zac Efron, Jeremy Allen White, Harris Dickinson, Maura Tierney, Stanley Simons, Holt McCallany, Lily James; Estúdio: Access Entertainment, BBC Film, House Productions; Distribuição: A24, Lionsgate, Califórnia Filmes; Duração: 2h 12min.
garra de ferro
garra de ferro
garra de ferro