"Baby" (2024), de Marcelo Caetano - Vitrine Filmes/Divulgação
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“Baby”: Uma questão de família | Cannes 2024

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“Baby” começa com o plano-detalhe de uma mão tocando um bumbo que, a partir de um tilt para cima, revela o protagonista Wellington (João Pedro Mariano). Nos planos seguintes, são apresentados uma série de outros garotos, cada um com um instrumento diferente, e eles saem tocando como uma banda – uma espécie de fanfarra – que logo depois descobrimos ser da Febem.

Esse início já sintetiza uma das (se não a) ideias centrais do longa do diretor mineiro Marcelo Caetano (“Corpo Elétrico”): a importância do grupo, do coletivo e, em última instância, da família. Não se pode viver, ou fazer quase nada, sozinho. Precisamos de uma rede de apoio, de pessoas que nos apoiem, protejam e nos amem. E a complexidade de como se encontram essas pessoas e se formam essas relações – porque família não é algo estritamente biológico – é a matéria-prima do filme, que estreou na Semana da Crítica do 77º Festival de Cannes.



"Baby" (2024), de Marcelo Caetano - Vitrine Filmes/Divulgação
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Wellington, no entanto, começa a trama sozinho. Ele sai da Febem após dois anos de detenção e descobre que os pais se mudaram de São Paulo e não deixaram nenhum contato ou endereço. Numa aventura com velhos amigos por um cinema pornô do centrão da cidade, ele conhece Ronaldo (Ricardo Teodoro), um garoto de programa com quem acaba se envolvendo, que o introduz ao mundo da prostituição – e da ocasional venda de drogas – e lhe dá a alcunha do título, Baby.

O eixo central do longa, e seu maior trunfo, é o relacionamento que se estabelece entre os dois personagens. Eles transam e se sentem claramente sexual e afetivamente atraídos um pelo outro. No entanto, a relação vai além disso: com 42 anos, Ronaldo tem sentimentos também paternais e fraternais pelo protagonista, que, aos 18 e à deriva, tem o parceiro como sua âncora no mundo. Wellington é apresentado ao filho de Ronaldo, à mãe do garoto, Priscila (Ana Flávia Cavalcanti), e à namorada dela, Jana (Bruna Linzmeyer). Eles se tornam, de certa forma, sua família.

E o problema de quando isso acontece – e isso ocorre na maioria dos relacionamentos de longa duração, mas especialmente nas relações entre homens gays – é que ninguém quer transar com um membro da família. É brochante e esquisito. Quando essas fissuras começam a aparecer, fica claro uma outra grande máxima sobre familiares: eles/as são as pessoas que mais te amam, mas também as que mais podem te machucar.

"Baby" (2024), de Marcelo Caetano - Vitrine Filmes/Divulgação
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Assim como em “Corpo Elétrico”, Caetano filma essa história com uma proximidade naturalista e que permite ao/à espectador/a quase sentir o cheiro e sentir as texturas do baixo centro e da periferia de São Paulo – a “melhor cidade da América do Sul”, como na música homônima cantada por Gal Costa – por onde os personagens transitam. Na linha de uma série de outros filmes exibidos em Cannes neste ano, de “Diamant Brut” a “Bird”, o diretor dirige sua câmera para a margem muitas vezes invisibilizada e esquecida dos grandes centros e seus habitantes, mas não olha para esse universo, nem para o trabalho do sexo, com abjeção ou julgamento. “Baby” mostra, na verdade, a riqueza humana e a dignidade dessas pessoas, bem como suas falhas, e permite que elas errem, cresçam e aprendam.

Esse olhar é construído por meio do trabalho de câmera de Pedro Sotero e Joana Luz que, nos seus zooms e nas suas panorâmicas pelas ruas de São Paulo, referenciam as maiores referências do cinema de Caetano, de Carlos Reichenbach a Luiz Sérgio Person e mesmo Rogério Sganzerla. Mas também pelo bom trabalho de design de produção de Thales Junqueira (“Bacurau”) e do figurino de Gabriela Campos (“Sol Alegria”, “Casa Grande”) conferindo verossimilhança e vida às locações. Uma jaqueta vermelha ganhada pelo protagonista logo no início é um dos elementos mais importantes do filme, representando a proteção que o jovem busca, eventualmente recebe – e o momento em que ele a perde.

A grande diferença de “Baby” para essas referências canônicas é a sensibilidade e a população queer que Caetano traz para esse universo. Este novo longa pode não ter a potência ou a explosão do trabalho anterior do cineasta, mas na sutileza e na delicadeza com que conta a história, no respeito e na maturidade com que olha para os personagens e seus erros, carregado de compaixão e humanidade, confirma o mineiro como um dos grandes nomes do cinema brasileiro atual.

Nota:

"Baby" (2024), de Marcelo Caetano - Vitrine Filmes/Divulgação
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Crítica produzida durante a cobertura do 77º Festival de Cannes para o cinematório.

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