O italiano Paolo Sorrentino (“A Mão de Deus”, “Juventude”, “A Grande Beleza”) faz um cinema esteta. Seus longas são compostos por belas imagens de locações paradisíacas, cenários estupendos, figurinos impecáveis e atores e atrizes estonteantes que ele filma em planos minimamente concebidos. O resultado lembra obras de arte que se visita num museu ou numa galeria de arte e que se admira, mas não se sente totalmente porque a beleza é tamanha que ela acaba distanciando o interlocutor – como se houvesse algo de não real ali.
A descrição se aplica perfeitamente a “Parthenope”, exibido na competitiva oficial do 77º Festival de Cannes. Na verdade, a beleza é um dos temas e elementos centrais do filme. A trama narra a vida da jovem do título (Celeste Dalla Porta, estreando no cinema), nascida em Nápoles em 1950 e batizada com o nome da deusa que, na mitologia romana, está associada ao surgimento da cidade. Na beleza estonteante da protagonista, e da atriz que a interpreta, Sorrentino faz uma espécie de declaração de amor à formosura de sua cidade-natal – mas também à sua riqueza cultural e humana.
Parthenope, a jovem da trama, encerra em si esses dois aspectos. Dona de uma aparência física capaz de despertar o desejo e o amor em todos os homens que a veem, a protagonista parece apaixonada, verdadeiramente, apenas pelo seu próprio (auto)conhecimento e crescimento como pessoa. Recusando ternamente todos esses pretendentes, ela acaba dedicando-se ao estudo da antropologia e à carreira acadêmica.
O único homem por quem Parthenope aparenta nutrir um desejo e amor carnal, curiosamente, é o irmão Raimondo (Daniele Rienzo) – numa relação platônica e incestuosa. Durante uma viagem a Capri na juventude com ele e Sandrino (Dario Alta), filho da empregada de seus pais e completamente apaixonado por ela, uma tragédia se abate sobre esse triângulo amoroso e marca o resto da vida da protagonista. Trata-se de um daqueles verões idílicos e inesquecíveis, que Sorrentino filma com seu apuro visual característico, encenando o final trágico com a ajuda de uma elipse que busca não manchar de sangue esse ideal de beleza que ele persegue no longa.
São escolhas como essa que, ao tentarem evitar certa sentimentalidade barata, privilegiam apenas uma beleza fria que priva “Parthenope” de uma emoção e uma humanidade que cativem o público para além da admiração estética. O longa conta com locações inacreditáveis, com um design de produção impecável e figurinos de Carlo Poggioli e Anthony Vaccarello que parecem deixar seus atores ainda mais bonitos – especialmente Celeste Dalla Porta. A câmera de Sorrentino e de sua diretora de fotografia Daria D’Antonio, parceira usual do cineasta, filma a atriz em biquinis mínimos (e lindos), vestidos decotados e tecidos esvoaçantes com um olhar de desejo e lascívia – que não é de todo condenável porque esse mesmo olhar é dirigido à beleza presente em todo o filme, especialmente ao corpo de Raimondo, numa representação do desejo da protagonista.
Se os invejáveis traços físicos da jovem estreante são fundamentais para a composição da personagem, sua atuação é um tanto limitada – o que não ajuda no distanciamento emocional de “Parthenope” como um todo. Ela contracena com veteranos como Gary Oldman, num papel mínimo e desnecessário, e Silvio Orlando (“O Crocodilo”) como Devoto Marotta, o professor que se torna a relação central da vida da protagonista, mas suas expressões e sorrisos se tornam repetitivos, sem conferir à personagem a profundidade intelectual desejada pelo cineasta.
Com isso, o filme funciona como o espetáculo visual típico de Sorrentino, mas não muito como essa homenagem que ele deseja fazer a Nápoles. O diretor filma a cidade nos seus melhores ângulos e locações, mas essa tentativa de esculpir Parthenope como uma espécie de encarnação da cidade resulta numa escultura bonitinha, mas um tanto oca.
Crítica produzida durante a cobertura do 77º Festival de Cannes para o cinematório.
Crítico de cinema desde 2004, filiado à Abraccine e à Fipresci. Jornalista e mestre em Cinema pela Universidade da Beira Interior, em Portugal, onde atualmente cursa o doutorado em Media Artes com pesquisa sobre cinema queer contemporâneo, financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). É votante internacional do Globo de Ouro e já integrou o júri da crítica em festivais dentro e fora do país.