"Clube dos Vândalos" (The Bikeriders, 2023), de Jeff Nichols - © Universal Pictures
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“Clube dos Vândalos”: Rebeldes em um filme conformado

O início de “Clube dos Vândalos” (The Bikeriders, 2023), mais recente filme do diretor estadunidense Jeff Nichols, é promissor. Somos apresentados a Benny, personagem de Austin Butler, em um bar que mais parece um cenário de western. Sabemos, pelo letreiro do início do filme, que a história se passa entre 1965 e 1973, então este certamente não pode ser um faroeste historicamente acurado. Mas, sem dúvida alguma, pelo desenrolar desta primeira cena no bar, é esta a inspiração do diretor, também roteirista. Vemos Benny ser desafiado por um grupo de brutamontes a tirar o casaco que veste, com as inscrições “Vandals Chicago”, em alusão ao clube de motociclistas do qual faz parte. O rapaz se nega a tirar a jaqueta, afirmando que a ordem só será cumprida se ele estiver morto. Os bullies então começam a agredi-lo violentamente e jogam-no ao chão. Mas Benny se levanta, pega uma pá e reage, atingindo um deles. É quando vemos alguém do grupo pegar um bastão e, no momento em que está prestes a acertar o personagem de Austin Butler, a imagem congela.

Ao longo de todo o filme, esperei pela resolução desta cena. O personagem escapou do golpe? Como? E o que houve depois? Entretanto, “Clube dos Vândalos” apenas deixa estas perguntas sem resposta, provocando um sentimento de incompletude. Temos certeza de que vimos algo que poderia ir muito longe, mas, subitamente, a força morre. O público fica em suspenso, e a história, subaproveitada. Este é, afinal, o saldo do filme como um todo. Acompanhamos sucessivos personagens e momentos que, isoladamente, são interessantes, mas que de forma geral compõem uma experiência fragmentada, de fraca densidade dramática e frágil olhar estético.

Na história, acompanhamos a ascensão de um clube de motociclistas do Meio-Oeste americano, o Vandals Motorcycle Club, através das vidas de seus membros e suas disputas internas e externas de poder. Baseado no fotolivro “The Bikeriders”, de Danny Lyon, o filme incorpora o autor do material-base como um fotojornalista homônimo (Mike Faist) que passa a viver entre os motoqueiros e, mesmo após um período distanciado, retorna à cidade de Chicago para registrar os desdobramentos do movimento. A fonte principal do entrevistador e também do público é Kathy (Jodie Comer), que se apaixona e se casa com Benny ainda no início do filme. Entre os dois, e na liderança do grupo, está Johnny (Tom Hardy), que se inspira em Marlon Brando para fundar o grupo calcado nos princípios de honra, respeito e cumplicidade. À medida que os anos passam, e com o crescimento do grupo país afora, Johnny e seus companheiros precisam cada vez mais aceitar e lidar com novos integrantes que não obedecem às antigas regras do clube.



"Clube dos Vândalos" (The Bikeriders, 2023), de Jeff Nichols - © Universal Pictures
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O principal problema de “Clube dos Vândalos” talvez seja como, em meio a esta história e a estes personagens, o filme constantemente acene a dois discursos politicamente opostos. Por um lado, os motoqueiros são vistos como um oásis para quem deseja a liberdade, mas sem as amarras do capitalismo e de todas as desigualdades reforçadas por ele. Situado nos anos 1960, o filme representa os “Vândalos” como trabalhadores desiludidos ou simplesmente jovens rebeldes que procuram nas motos um elo que os inclua em alguma comunidade. Em um contexto no qual as opções são aderir às normas sociais impostas ou partir para a criminalidade, os motoqueiros representavam a fuga de ambos. Essa mensagem progressista, que ecoa filmes como “Easy Rider” (1969), referenciado a certa altura, se choca com uma visão conservadora, e que parece se sobressair no filme. Ao contrário dos westerns revisionistas feitos dos anos 1960 em diante, “Clube dos Vândalos” fica do lado das antigas, e não das novas gerações. Os “nobres” valores de Johnny são repetidamente contrastados com a natureza desleal e enganosa dos mais jovens que procuram entrar no clube e finalmente conseguem a partir do terceiro ato. O filme parece, nesse sentido, tecer uma ode saudosista ao passado, aos áureos tempos em que a honra imperava entre os homens, o que soa datado, fora de lugar e, sobretudo, conservador.

Ao lado da trama pouco afeita à subversão existe também uma condução estética que dispensa a inventividade visual de filmes como o próprio “Easy Rider” e da Nova Hollywood, uma evidente mas subaproveitada influência para o longa de Nichols. O momento mais marcante é a já citada tela congelada na primeira cena, mas qualquer proposta cinematográfica mais arrojada parece morrer ali. A paleta de cores quentes e a excelente iluminação – muito calcada na criação de silhuetas e recortes iluminados dentro das cenas – é funcional, mas clássica, sem chamar a atenção para si mesma. Em termos de linguagem, apesar da habilidosa montagem, que vai e volta em meio aos relatos de Kathy e às ações dos motoqueiros, tudo parece muito convencional, demasiadamente comportado para um filme cuja temática é a rebeldia dos anos 1960 e 1970.

“Clube dos Vândalos” ainda sofre com um roteiro que apresenta diversos problemas. De início, há muitos personagens, por vezes introduzidos de maneira apressada ou displicente e tirados da história com a mesma facilidade. Esta é, aliás, uma trama fundamentada em facilitações e que, por isso, parece a todo tempo sem peso ou risco real. Kathy tem um marido no início do filme, mas ele simplesmente a abandona no primeiro dia em que Benny dorme do lado de fora da casa, sem nenhum confronto ou conflito mais substancial. O próprio Benny tem um arco de personagem mal desenvolvido, seja pela escrita lacônica do personagem ou por seu sumiço e inação em certos momentos da trama. O roteiro ainda duvida da inteligência do espectador ao, mais de uma vez, colocar na boca de um personagem a explicação pra uma ação que acabamos de ver, ao contrário de permitir ao público certas dúvidas e indagações tanto sobre a natureza dos personagens quanto sobre suas motivações e planos.

"Clube dos Vândalos" (The Bikeriders, 2023), de Jeff Nichols - © Universal Pictures
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O que salva o filme do fracasso é o elenco, embora Austin Butler não tenha muito o que fazer com seu personagem e Tom Hardy nitidamente não esteja investindo muita de sua habilidade no papel. O destaque positivo fica então por conta de Jodie Comer, que compõe uma personagem mais multifacetada do que o próprio roteiro dá a ver. Sua Kathy é irônica, bem-resolvida e vulnerável na mesma medida, e os grandes olhos, discreto sorriso e voz anasalada da atriz são os responsáveis por transitar em meio à complexidade da jovem. Aceitamos, desde o início, que aquela é uma esposa entediada em uma pequena cidade de Chicago e que se deslumbra totalmente em seu primeiro encontro ao acaso com o motoqueiro da gangue de agitadores da cidade. É até espantoso pensar que Comer é britânica, dado o sotaque carregado que ela empresta à personagem do Meio-Oeste americano em meio a uma série de frases rápidas e ligadas umas às outras.

“Clube dos Vândalos” termina de forma mais interessante do que começou, apesar do acontecimento marcante no terço final servir a um discurso questionável e o fim do personagem central ser prejudicado pela fraca construção de sua trajetória. O filme poderia ser muito mais bem-sucedido, caso o diretor saísse do terreno da segurança e fizesse mais jus à própria premissa de sua produção. Afinal, esta era uma obra promissora, com direção de fotografia, design de produção e figurino competentes, além de um elenco que poderia funcionar muito melhor em conjunto. Não nego que, para além dos defeitos, a experiência com o longa proporcionou agradáveis momentos de entretenimento. Entretanto, nem o filme parece estar ao lado de seus instigantes anti-heróis, já que o retrato cinematográfico que temos deles nunca sai do terreno convencional. Johnny e Benny não poderiam estar mais contrariados. Para um rebelde, nada pior do que estar em um filme conformado. ■

Nota:

"Clube dos Vândalos" (The Bikeriders, 2023), de Jeff Nichols - © Universal Pictures
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CLUBE DOS VÂNDALOS (The Bikeriders, 2023, EUA). Direção: Jeff Nichols; Roteiro: Jeff Nichols (baseado no livro de Danny Lyon); Produção: Sarah Green, Brian Kavanaugh-Jones, Arnon Milchan; Fotografia: Adam Stone; Montagem: Julie Monroe; Música: David Wingo; Com: Jodie Comer, Austin Butler, Tom Hardy, Michael Shannon, Mike Faist, Norman Reedus; Estúdio: Regency Enterprises, New Regency, Tri-State Pictures; Distribuição: Universal Pictures ; Duração: 1h 56min.

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