"Divertida Mente 2" (Inside Out 2), de Kelsey Mann - © Disney / Pixar
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“Divertida Mente 2”: novas emoções, mesma qualidade

Como os “seus divertidamentes” estão hoje? Você acordou num dia nublado, ouvindo músicas mais melancólicas e, ao lembrar de alguém que não faz mais parte da sua vida (seja por qual motivo for), chorou copiosamente e ficou triste durante várias horas? Ou talvez você esteja muito alegre, empolgado com alguma notícia que recebeu e está saltitando de felicidade… Ah, será que hoje é seu dia mais tenso e você está com raiva de todos e tudo ao seu redor, e o melhor é manter distância para evitar uma situação ruim? Você também pode ter ficado com medo de algum filme que assistiu há pouco tempo e te deixou em estado de alerta. Ou simplesmente você não quer socializar com ninguém, afinal, não acha que ninguém está à sua altura e, por isso, começaria a dizer verdades na cara de todos. Não importa qual o seu “mood” de hoje, mas sabemos que algum dos “seus divertidamentes” está no controle.

Expressões como “meus divertidamentes não me aguentam mais”, “meus divertidamentes devem estar todos confusos” e “meus divertidamentes estão festejando neste momento” falam sobre sentimentos. Quer dizer que algo relacionado à alegria, medo, raiva, tristeza ou nojo está acontecendo dentro da sua cabeça e refletindo em alguma situação.

E como é possível entender o que acontece dentro da cabeça de alguém? Ah, essa resposta o filme “Divertida Mente” nos deu lá em 2015, quando a animação da Pixar mostrou para o público o funcionamento da mente de Riley, uma garota de 11 anos que estava lidando com mudanças em sua vida e, consequentemente, sofrendo com diversas emoções e sentimentos que situações como mudança de casa, cidade, e até mesmo de grupos, podem causar.



Mas o público que assistiu ao longa cresceu (assim como a protagonista) e as emoções citadas anteriormente não são mais as únicas que habitam o interior das pessoas. Afinal, novos problemas surgem com o passar dos anos, não é mesmo? E é com essa premissa que “Divertida Mente 2” chega aos cinemas, com a Pixar mais uma vez tentando animar o inanimado (neste caso as emoções, mas já aconteceu com carros, brinquedos, animais etc.). E mais uma vez, o resultado é exitoso.

O novo longa do estúdio, agora com direção do estreante Kelsey Mann, traz de volta Riley, agora com 13 anos de idade e oficialmente uma adolescente. Com amizades inseparáveis, boas notas escolares e sucesso no hóquei, a garota adora sua vida na Califórnia e finalmente encontrou uma estabilidade emocional. Tudo isso contribuiu para que a paz reinasse na “sala de controle” da mente de Riley, com o trabalho entre Alegria (na voz de Amy Poehler), Medo (Tony Hale), Nojinho (Liza Lapira), Tristeza (Phyllis Smith) e Raiva (Lewis Black) acontecendo em harmonia.

Toda essa tranquilidade é ameaçada quando um “mal” típico da adolescência dá as caras: a puberdade. Essa nova fase requer uma mudança drástica na torre de comando e tudo o que estava sob controle precisa de adaptações, incluindo a chegada de novos personagens. Liderada pela organizada Ansiedade (Maya Hawke), o grupo das emoções sofisticadas é formado pela Tédio (Adèle Exarchopoulos), Inveja (Ayo Edebiri) e Vergonha (Paul Walter Hauser). Juntos, eles têm o dever de cuidar da garota nesta nova fase da vida, porém, querem fazer isso sozinhos, pois acreditam que ela agora precisa de novos sentimentos.

É aí que está uma das partes mais interessante do roteiro assinado por Dave Holstein e Meg LeFauve: o novo grupo acha que há uma distinção entre emoções de crianças e emoções de adolescentes. No entanto, ao longo da animação, nota-se que todas elas são importantes para a construção da personalidade de Riley, e a conclusão da história segue por esse caminho, mostrando que é um ciclo natural envelhecer e novas sensações chegarem para comandar a sala de controle, juntas.

"Divertida Mente 2" (Inside Out 2), de Kelsey Mann - © Disney / Pixar
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Assim como no filme de origem, o roteiro de “Divertida Mente 2” é simples. É fácil observar para onde a história vai caminhar, como os personagens vão se desenvolver e não há nenhuma reviravolta muito elaborada. Mas mesmo assim, o roteiro é eficaz, já que antes de um roteiro incrível, a Pixar prioriza em seus filmes a ideia, e neste longa não é diferente. A ideia de animar uma emoção, mostrando como ela age internamente, externaliza e faz a pessoa reagir à determinada situação, a partir de sua experiência, é o diferencial da obra.

Mas também há outros pontos positivos. É quase impossível ver “Divertida Mente 2” sem olhar para o lado terapêutico e é empolgante notar como o filme consegue conversar com crianças, adolescentes e adultos. Talvez seja por isso que é tão fácil se identificar com a história, reconhecer as emoções e entender qual é a mais presente na vida de cada pessoa. Por um lado, a narrativa pode ser considerada terapêutica, uma forma dos adultos olharem para si e ter um processo de autoconhecimento, enquanto as crianças se divertem com os personagens divertidos, com as piadas e com o visual da animação, já que todo o universo construído na cabeça de Riley é muito chamativo. Além disso, os adolescentes também podem se reconhecer nas telas através de sentimentos típicos da idade da protagonista.

Os personagens continuam sendo destaques da animação, desde o visual até a trama de cada um. E não são apenas os sentimentos que são especiais na história, mas os novos nomes também conquistam espaço no enredo. Emoções, pessoas, brinquedos, trabalhadores que atuam na cabeça da adolescente, todos funcionam bem em tela, sem faltar desenvolvimento a ninguém. Todos tem o tempo necessário para expressar seu papel na história. E isso é um ponto favorável para a dupla de roteiristas, pois não é fácil trabalhar com essa diversidade de personagens em uma única obra.

E assim como acontece com o roteiro, nesta continuação, mais uma vez a beleza técnica encanta. É muita cor em tela, desde os tons que representam as emoções com uma semiótica muito interessante e bem trabalhada (por exemplo, a Raiva transborda vermelho, enquanto a Vergonha se esconde atrás de um rosa discreto e a Nojinho esbanja um verde repulsivo) até as cores brilhantes e significativas mostradas nas ilhas que estão no subconsciente de Riley. A construção deste cenário, que é onde se passa a maior parte da história, é toda detalhada e cuidadosamente pensada, apresentando os abismos e a destruição que alguns sentimentos podem causar internamente e que podem ser irreversíveis. O filme consegue colocar essa filosofia em tela e ficam claras as consequências dos atos que a própria adolescente causa nela mesma (às vezes inconsciente, às vezes consciente). O visual mostrado na tela consegue prender a atenção do público, seja pelas diferentes formas de animação apresentadas ou pela estética bagunçada representada na personagem Ansiedade, por exemplo.

"Divertida Mente 2" (Inside Out 2), de Kelsey Mann - © Disney / Pixar
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E por falar na nova emoção, “Divertida Mente 2” mostra a Pixar acertando mais uma vez na forma como retrata o contraste entre as emoções. No primeiro filme, vemos como Alegria e Tristeza formam uma boa dupla e como uma precisa da outra em todos os momentos. Já na sequência, é encantador (e emocionante) descobrir como a Alegria, que geralmente está tão presente na infância, dá lugar à Ansiedade quando chega a adolescência. O jeito como a narrativa mostra esse contraste, mas também como essas emoções conhecem e entendem o papel uma da outra é aquele toque final típico dos longas do estúdio.

Sair do cinema entendendo que a Ansiedade, apesar de causar dor (física e psicológica), só deseja preparar você para um futuro confortável e seguro, onde você possa estar bem, tranquila e pronta para viver plenamente, é o que se espera quando se trata de um filme da Pixar, ao mesmo tempo em que é possível deixar a sala compreendendo como a Alegria quer estar sempre na vida das pessoas, trazendo um bem estar e se importando com o momento presente, com os relacionamentos e descobertas que estão acontecendo ali, agora.

A animação consegue apresentar uma emoção que é lida tão negativamente nos dias atuais sem colocá-la como o único problema da vida das pessoas, e o filme também cumpre a missão de mostrar que é ótimo estar alegre, mas os momentos de tristeza, ansiedade, ira e medo são essenciais na construção do senso de si, e que a partir dele, a personalidade e a consciência de cada um são elaboradas.

"Divertida Mente 2" (Inside Out 2), de Kelsey Mann - © Disney / Pixar
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A frase “o que não mata, nos deixa mais forte” pode ser utilizada na mensagem que “Divertida Mente 2” deixa. Todos os sentimentos e emoções são necessários para uma pessoa se tornar mais forte e depois mostrar suas fraquezas novamente. Todas as memórias, sejam elas felizes ou tristes, têm seu papel na hora da construção do nosso caráter e da nossa persona. É bom identificar  no filme que as emoções reprimidas (o que fazemos conscientemente algumas vezes) não devem ficar ali, num pote fechado para sempre. Elas podem voltar, seja lá em qual altura da vida, e te colocar novamente em contato com sensações emocionantes e importantes, abrindo nossos olhos para situações que são possíveis de enxergar apenas através dessas emoções que ficaram para trás.

O fato é: “Divertida Mente 2” não causa a sensação de Nostalgia, aquela que nos faz pensar: “nossa, lembra quando a Pixar fazia filmes bons, que tocavam o público infantil e adulto, trazendo mensagens importantes e divertidas?” Pelo contrário: o longa desperta a Alegria de estar no presente e poder falar: “a Pixar acertou mais uma vez”. ■

crítica divertida mente 2

Nota:

crítica divertida mente 2

DIVERTIDA MENTE 2 (Inside Out 2, 2024, EUA). Direção: Kelsey Mann; Roteiro: Meg LeFauve, Dave Holstein; Produção: Mark Nielsen; Fotografia: Adam Habib, Jonathan Pytko; Montagem: Maurissa Horwitz; Música: Andrea Datzman; Com: Amy Poehler, Maya Hawke, Kensington Tallman, Liza Lapira, Tony Hale, Lewis Black, Phyllis Smith, Ayo Edebiri, Lilimar, Grace Lu, Sumayyah Nuriddin-Green, Adèle Exarchopoulos, Diane Lane, Kyle MacLachlan, Paul Walter Hauser; Estúdio: Pixar; Distribuição: Disney; Duração: 1h 36min.

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