O sucesso de “Os Fantasmas se Divertem” (Beetlejuice), de 1988, trouxe notoriedade ao diretor Tim Burton por seu excelente trabalho autoral no gênero da comédia, que o levou a realizar grandes obras reconhecidas nos anos 90 e 2000, por seu estilo único, com elementos do terror e do expressionismo alemão, em narrativas que conquistaram desde o público infantil ao adulto. Um diretor com uma identidade artística em harmonia com o apelo comercial que os grandes estúdios precisam, mas que por suas características mais excêntricas, sombrias e bizarras frequentemente entrava em conflitos com estes estúdios. Atualmente, com quarenta anos atuando na indústria, o estilo de Burton é celebrado, reconhecido e referenciado em diversas ocasiões, e o sentimento de nostalgia que suas obras evocam se encaixa perfeitamente com as necessidades do cenário da indústria cinematográfica dos últimos anos, permitindo então uma sequência direta do icônico personagem Beetlejuice após mais de três décadas.
Além de diretor, Burton também é produtor, animador e roteirista, e suas características distintas sempre marcaram suas obras na história do cinema hollywoodiano. Seu talento como storyteller, um contador de histórias, e sua autenticidade, permite que desde o início de sua carreira até esta nova sequência, dialogue com um público amplo, celebrando a nostalgia e conquistando novos fãs.
“Os Fantasmas Ainda se Divertem – Beetlejuice Beetlejuice” (2024), é definitivamente um presente de Halloween, uma comédia ousada e corajosa, com piadas de duplo sentido e um humor fantasiosos muito peculiar característico de Burton, com vários momentos sombrios, com referências e elementos do terror. O filme traz de volta o elenco original, e apresenta novos personagens que fazem parte do universo do bio-exorcista, Beetlejuice.
Após a morte de seu pai, Lydia (Winona Ryder) retorna à sua antiga casa com a madrasta Delia (Catherine O’Hara) e sua filha Astrid (Jenna Ortega). No mundo dos mortos, Beetlejuice (Michael Keaton) está sendo perseguido por sua vingativa ex-esposa Delores (Monica Bellucci). Estes eventos infelizes e simultâneos fazem com que os dois mundos voltem a colidir, retomando a relação traumática de Lydia e Beetlejuice.
Com a junção de elementos autorais característicos, o elenco recorrente em sua filmografia, trilha sonora de Danny Elfman, cenários, efeitos práticos, interferências de animações em stop-motion, misturando momentos sombrios e cômicos com um toque de nonsense, Tim Burton dá à obra a autenticidade, estilo e ritmo precisos de um filme feito com paixão, com alma, e com a nostalgia da época de seu filme antecessor. Por esses aspectos, o filme entrega uma experiência cinematográfica completa e divertida.
O elenco do filme original é onde se concentra a força deste longa. Michael Keaton entrega uma atuação tão boa quanto no primeiro filme, encarnando um Beetlejuice irreverente, inusitado e cartunesco, capaz de cometer qualquer atrocidade em cena. Catherine O’Hara, como a narcisista Delia, e sua estranha relação com a arte e a performance, que nos faz lembrar de sua fala na obra original: “É a minha arte, e é perigosa”. E Winona Ryder oferece uma versão mais velha e mais madura de Lydia, trazendo novas questões para a trama. A ausência de Jeffrey Jones (pai de Lydia no filme de 1988) é justificada narrativamente, não apenas pela morte do personagem, mas também pela forma como ele morreu, já que parte da história se passa no mundo dos mortos.
Há novos elementos de metalinguagem pontuais ao início do filme, com o trabalho de Lydia, que usa seu talento médium para apresentar um programa de TV que investiga casos sobrenaturais. Em alguns momentos Winona Ryder dialoga com a câmera diegética de seu programa, causando a sensação de um olhar direto para o espectador.
O desenvolvimento dos novos personagens apresenta um lado mais frágil do filme. A vilã, interpretada por Monica Bellucci, tem uma força imagética arrebatadora, como uma musa “burtonesca”, com seu corpo remendado por grampos assim como Sally e Frankenweenie (de “O Estranho Mundo de Jack” e “Frankenweenie” respectivamente) e em um flashback em preto e branco, sobre a história de Delores e Beetlejuice, onde ele era um ladrão de corpos num cemitério, referenciando mais uma vez à obra de Mary Shelley e ao filme “Frankenstein” (James Whale, 1931). O policial/detetive interpretado por Willem Dafoe, que apesar de todo seu carisma e comicidade, não acrescenta valor à narrativa. E por fim, Jenna Ortega, que parece reprisar o plot da série (também criada por Burton) “Wandinha”, a filha desajustada em conflito com a mãe e que se envolve em um romance adolescente repleto de escolhas erradas. Todos os conflitos vividos por estes novos personagens tinham o potencial de grandes desfechos, mas acabaram tendo conclusões fáceis e anti climáticas.
“Os Fantasmas Ainda se Divertem” é um filme sobre morte, luto, perda, e sobre como como este “ritual” pode se tornar algo leve e natural. Além disso, o longa também distorce alguns conceitos sobre outro ritual que normalmente é celebrado: o casamento. Para Burton, o casamento nada mais é do que um acordo infeliz, uma saída fácil para algumas situações, uma troca de favores. No primeiro filme, Beetlejuice tenta forçar um casamento com Lydia. Neste filme, ele está sendo perseguido por sua antiga “noiva cadáver”, enquanto Lydia se encontra novamente em uma relação abusiva que tenta forçá-la a se casar. A relação de Delia chega “ao fim” exatamente com o tema inicial da obra, a morte de seu marido. Ao contrário de um conto de fadas tradicional, onde os personagens se casam e vivem “felizes para sempre”, em um conto a lá Tim Burton, “até que a morte nos separe” ganha uma nova perspectiva.
Apesar do desfecho um pouco raso, “Os Fantasmas Ainda se Divertem – Beetlejuice Beetlejuice” entrega exatamente o que se espera da autenticidade e autoria de Tim Burton, com toda a nostalgia de rever o elenco original com performances incríveis, em um filme que traz um valor cinematográfico e artístico que entretém e diverte tanto quanto uma boa comédia de Halloween dos anos 80. Tim Burton não é um diretor que costuma realizar sequências de seus filmes (antes dessa sequência de Beetlejuice, ele apenas havia dirigido uma sequência em 1992, “Batman: O Retorno”). Mas com o título original “Beetlejuice Beetlejuice”, fica a curiosidade sobre o que poderia acontecer se o nome fosse invocado pela terceira e última vez. ■