"Golpe de Sorte em Paris" (Coup de Chance, 2023), de Woody Allen - © Frenetic Films
"Golpe de Sorte em Paris" (Coup de Chance, 2023), de Woody Allen - © Frenetic Films

“Golpe de Sorte em Paris” aposta na zona de conforto de Woody Allen

“Golpe de Sorte em Paris” (Coup de chance) é o mais recente trabalho de Woody Allen, que tem uma longa carreira marcada por grandes filmes, como “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” (1977), que discutem temas específicos, como conflitos existenciais, críticas a comportamentos sociais pré-estabelecidos, e relações amorosas e sexuais, incluindo infidelidade e ciúmes.

Em seu 50º filme (e possivelmente o último), o diretor, que completa 89 anos de idade em 2024, apresenta a história de um encontro inesperado entre Fanny (Lou de Laâge) e Alain (Niels Schneider), que desperta um sentimento antigo e coloca em conflito o casamento de Fanny com Jean (Melvil Poupaud). A infelicidade do casamento se intensifica proporcionalmente ao romance extraconjugal, levando a uma situação de suspense e tensão no triângulo amoroso.

Assim como em um de seus filmes mais recentes, “Um Dia de Chuva em Nova York” (2019), o diretor traz uma repetição de elementos característicos de toda a sua filmografia, como uma crônica que se reproduz a cada filme, em diferentes lugares e com diferentes personagens, mas que mantém uma estrutura narrativa similar. Embora possa parecer repetitivo ver a mesma história contada várias vezes, Woody Allen demonstra a sensibilidade e maturidade para ainda oferecer uma boa história a partir de sua zona de conforto, proporcionando ao espectador uma experiência leve, apaixonante, engraçada e instigante pelo teor de suspense.



Allen explora a beleza e complexidade dos encontros e desencontros cotidianos que impactam as relações amorosas, em uma ambientação pontual. Desde “Manhattan” (1979) e “Meia-Noite Em Paris” (2011), o diretor mostra cada cidade como uma parte intrínseca da obra, quase como uma personagem que dita as regras do universo de cada filme. A simplicidade de uma conversa entre o casal que caminha por diferentes cenários da cidade, faz com que o espectador se apaixone tanto por eles quanto por Paris. Neste contexto, o diretor se refere à alguns elementos da Nouvelle Vague francesa, utilizando-os de forma dramatúrgica e fazendo-os preencher sua narrativa, o que acaba por demarcar sua produção dentro do cinema moderno e do cinema independente, com características similares a outras obras de romance, como a “Trilogia do Antes”, de Richard Linklater, por exemplo. O enredo segue neste estilo até um determinado evento que acrescenta o tom de investigação e suspense à história.

O ponto-chave do filme é o dilema de Fanny, que o diretor explora sem fazer um julgamento moral, apresentando as diferentes camadas e complexidades de uma personagem dividida entre a estabilidade de um casamento e a aventura de um romance. No casamento com Jean, descrita como uma “esposa-troféu”, Fanny é objetificada e exibida como símbolo de status de um estilo de vida de alto padrão. Em contraste, a relação com Alain, oferece a possibilidade de viver algo sincero, levando a uma reflexão de como a vida poderia ter sido diferente se outras escolhas tivessem sido feitas na juventude. Os cenários e a direção sutil evidenciam o dilema da personagem, alternando entre ambientes abertos com a fotografia aquecida, e espaços fechados que demonstram frieza, refletindo os sentimentos evocados por cada uma de suas relações.

O diretor se refere à sua própria filmografia, reutilizando a estrutura narrativa e temas já explorados. O filme caminha para uma direção muito próxima ao enredo de “Ponto Final: Match Point” (2005), refletindo sobre como a sorte é um fator que os personagens podem ou não contar, e como ela está contra ou a favor de alguns deles, como uma aposta, influenciando seus destinos em uma situação de crime e investigação, mas sempre mantendo a leveza e comicidade.

“Golpe de Sorte em Paris” tem um desfecho criativo e inusitado, assim como a própria sorte. O filme é um lugar de conforto tanto para o diretor quanto para o espectador dos filmes de Woody Allen, reforçando seus temas e sua forma de contar as crônicas amorosas e cotidianas. Apesar de não apresentar nenhuma novidade narrativa, a obra funciona como um leve e divertido suspense misturado a uma comédia romântica. ■

Nota:

Onde ver "Golpe de Sorte em Paris" no streaming: