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“O Dia que Te Conheci” ou uma ode aos amores possíveis

"O Dia que te Conheci" (2023), de André Novais de Oliveira - Divulgação/Filmes de Plástico

Divulgação/Filmes de Plástico

Uma crônica cotidiana sobre amores. Esta poderia ser facilmente a frase que resume o novo filme do diretor André Novais de Oliveira, “O Dia que Te Conheci”, mas o multipremiado longa vai muito além disso. Produzida pela mineira Filmes de Plástico, a obra acompanha um dia na vida de Zeca (Renato Novaes) que, ao conhecer Luísa (Grace Passô), tem sua rotina sequestrada por um encontro inesperado.

Com dificuldades para acordar e ir trabalhar em Betim, na Grande BH, Zeca vive a triste dor do trabalhador e é demitido na escola em que atua como bibliotecário. Quem é incumbida de realizar essa demissão é Luísa. Apesar da situação, ela acaba oferecendo uma carona para Zeca, que mora em Belo Horizonte.

Seguindo uma premissa típica de comédias românticas, “O Dia que Te Conheci” acerta em dar profundidade a uma questão que ainda é tida como um tabu na sociedade: a saúde mental, que permeia toda a trama central e é o que de fato leva ao encantamento dos dois personagens.

Em dado momento, nos é revelado que Zeca não consegue acordar na hora de ir para o trabalho por fazer uso de medicação psiquiátrica. Luísa, por sua vez, revela também usar remédios controlados e se oferece para ver as receitas de Zeca, para entender se ele está fazendo o uso errado. Este fato inusitado acaba por entrelaçar o interesse de um pelo outro.

Este pano de fundo tem um quê de biográfico e de estudo social feito por André Novais. Na entrevista coletiva realizada em Belo Horizonte, o cineasta falou um pouco sobre como surgiu a ideia de trazer luz ao tema da saúde mental com um tom narrativo natural. A ideia, segundo ele, surgiu ao escutar o caso de um amigo que conheceu um rapaz que não acordava.

A ideia do filme surgiu quando um amigo meu contou de um amigo dele que tinha dificuldade de acordar, e aí outros temas surgiram depois, acho que através de observação do dia a dia, mas também por questões autobiográficas e questões pessoais que foram pro roteiro. No caso, esse tema especificamente de saúde mental, eu posso falar que eu tomo remédio, trato com psiquiatra, psicólogo. Então, veio através disso e da vontade de falar disso num tom diferente. E pensando também nessa coisa da observação, de pensar a quantidade de pessoas que passaram a tomar remédio ou tratar da saúde mental num todo, depois da pandemia, principalmente. Então vem daí essa vontade de falar disso, e da forma de falar também. — André Novais Oliveira

"O Dia que te Conheci" (2023), de André Novais de Oliveira - Divulgação/Filmes de Plástico
Divulgação/Filmes de Plástico

Além de focar na saúde mental, o filme revela uma rotina massacrante e presente na maioria dos brasileiros: o transporte público e as jornadas de trabalho exaustivas. Também traz um ponto de reflexão sobre o racismo e a falta de oportunidades para pessoas negras no mercado de trabalho.

“O Dia que Te Conheci” acerta em sua bela composição e fotografia intimista e sóbria, que transporta a gente para uma ambiência verdadeira e que salta aos olhos de quem conhece BH, Betim ou Contagem (também cenário comum nas produções da Filmes de Plástico, como “Marte Um” e “Temporada”). Além da fotografia, no cenário podemos observar diversos elementos estéticos que fazem referências importantes dentro da cultura negra e da cena hip hop de Minas e do Brasil. Estes objetos ganham amplitude por possuírem cenas em que são expostos com um enquadramento em plano detalhe.

Como uma boa comédia romântica, o longa possui um humor acertado e química entre o casal protagonista. E as atuações são tão naturais que alguém pode até achar que os atores improvisaram no set. Mas como a própria Grace Passô disse na coletiva, “estava tudo no roteiro”.

Tem muita gente perguntando sobre as improvisações, né? E é muito importante falar que isso tudo que está ali [na tela], está no roteiro. Claro que existem improvisações, é óbvio! Mas todo filme tem improvisações. É também sobre isso. Quando você trabalha o improviso, normalmente a gente improvisa em relação ao roteiro, em determinados lugares específicos. Isso é uma pergunta que a gente está fazendo, e ali [no filme] todas essas situações, esses caminhos, os diálogos, que é uma coisa muito conhecida do André, estão no roteiro. Faz parte do trabalho técnico também, da atuação e da direção, fazer com que parecesse improvisação. — Grace Passô

"O Dia que te Conheci" (2023), de André Novais de Oliveira - Divulgação/Filmes de Plástico
Divulgação/Filmes de Plástico

Alguns diálogos oscilam entre o romance, a comédia e o drama, gerando a nossa conexão com este dia em que Zeca e Luísa se conheceram. A fuga, o luto, o olhar apaixonado, o observar o trânsito, a piada na tragédia, isso tudo é algo que é, já foi, ou será comum em algum momento das nossas vidas.

Eu consegui perguntar a Renato Novaes se ele já viveu alguma experiência parecida com a de Zeca. Ele revelou que sim e relembrou algo que sua mãe lhe dizia: “a gente não está preparado para ser feliz”.

Quando a gente sai de casa, diariamente, a gente não sabe o que que vai acontecer, e normalmente todo mundo não está preparado para ser feliz. Minha mãe costumava falar essa frase, ‘ninguém está preparado pra ser feliz’. E por ser uma comédia romântica, que tem todos os elementos de comédia romântica, eu acho que o mais importante dentro disso é o inusitado, sabe? É o que você não espera. E dentro do que você não espera acontecem coisas cotidianas que podem ser recorrentes e outras não, como um encontro de uma pessoa que pode mudar sua vida. Então, eu acho que todo mundo deve ter alguma história parecida com essa, se não for igual. — Renato Novaes

A frase da mãe de Renato me pegou de surpresa e fiquei pensando em quantas vezes a sorte do encontro já sorriu para nós, mas, muitas vezes, a ignoramos pelo cansaço ou pelo medo da felicidade. Estaremos preparados para o ordinário que se torna extraordinário? Para uma Luísa em nossas vidas?

“O Dia que Te Conheci” resgata em nós a esperança de um amor comum e que é excepcional exatamente por sua simplicidade, rotina e possibilidade. É um respiro em meio a tantos filmes enlatados e um frescor aos olhos e ao coração. ■

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