Há perguntas que grande parte das pessoas fará para si em alguma etapa da vida, seja em uma situação de crise existencial ou relacionada à mudança de idade. Questões que podem mexer com nosso psicológico e que, muitas vezes, alteram o curso de nossas vidas.
Existem alguns processos comuns para essa resposta, como, por exemplo, quando a pessoa não sabe o que responder por ainda não ter encontrado um propósito e nutrir um sentimento de não pertencimento à sociedade. Há aquelas pessoas que respondem rápido, sem precisar pensar, mas essa resposta imediata pode indicar uma dificuldade em olhar para si e procurar a fundo sua razão de ser. Existe também quem teve sua função determinada por um outro alguém, e segue à risca esse ideal, evitando qualquer desvio do caminho imposto. É este último caso o da protagonista da nova animação da DreamWorks, “Robô Selvagem”, adaptação do livro de Peter Brown, com roteiro e direção de Chris Sanders (“Lilo e Stitch”, “Como Treinar seu Dragão”).
A unidade ROZZUM 7134 foi programada para executar tarefas que facilitam a vida das pessoas na sociedade. Mas, após um acidente, Roz (na voz de Lupita Nyong’o) naufraga em uma ilha habitada por animais, onde ela não conhece ninguém e não sabe como se comunicar com os seres que encontra pelo caminho. Naquele novo ambiente, pouco a pouco a protagonista constroi relações com os bichos nativos, o que inclui até mesmo a adoção de um filhotinho de ganso, o adorável Brightbill (Kit Connor). Logo, os dois, junto com a raposa Fink (Pedro Pascal), tornam-se uma família improvável: uma robô ultratecnológica, determinada a realizar tarefas pré-programadas, um filhote de ganso órfão e “diferente” dos outros de sua raça, e uma raposa esperta que só pensa em seu interesse de sobreviver na floresta.
Qual é a sua função no mundo? Esta é a pergunta que norteia os personagens de “Robô Selvagem”.
Existem diferentes tipos de animais na selva onde o filme se passa, e cada um responde a essa questão de forma diferente. É aí que reside a riqueza da história: mostrar que todos têm ideais distintos, dos mais complexos e profundos até os mais simples. O roteiro não escolhe apresentar essas diferenças sendo aceitas harmonicamente, pelo contrário: a animação mostra como os animais entram em conflito, com um rindo da “missão” do outro, menosprezando propósitos diferentes dos seus.
Por isso (e muito mais), “Robô Selvagem” é cativante, com um roteiro rico em diálogos emocionantes e personagens carismáticos (não só o grupo formado pelos três com mais tempo de tela). Além disso, Sanders consegue unir elementos de comédia a um tom dramático ideal. Temas socialmente importantes como pertencimento, discriminação, família disfuncional e “Chosen Family” (conceito de família escolhida) são abordados de maneira profunda e um pouco mais adulta, mas sem deixar de conversar também com o público infantil. A adaptação do best-seller literário teve a participação direta do autor Peter Brown, o que claramente ajudou a mostrar com detalhes as motivações, fraquezas e a força de seus personagens.
Um dos principais destaques do filme é como a pergunta central é respondida de maneira doce e intensa por Roz. A personagem, extremamente amável, traz o tema da maternidade de uma forma muito humana, com questões reais que fazem parte do dia a dia de quem está vivendo esta realidade. Por exemplo, em um ponto do longa, a robô e a matriarca da família de gambás têm um diálogo que traz a fragilidade, delicadeza, empatia e força presentes na rotina de quem é mãe.
Assim como aconteceu com o alienígena Stitch e o dragão Banguela, Sanders dá vida a mais uma personagem encantadora para a cultura pop, que desfaz a desconfiança inicial dos animais da ilha após relações e vivências tocantes, descobrindo o amor, o carinho e o afeto.
O roteiro, aliado à montagem do longa (assinada por Mary Blee), também é eficaz ao estruturar cenas importantes no início, no meio e no fim, sem deixar os ápices somente para o final. A primeira cena em que Roz descobre sua nova “tarefa” e decide aceitá-la é linda e tocante, assim como acontece com as atividades realizadas por Brightbill no decorrer da história e com o desfecho não tão previsível do enredo.
E, claro, outro ponto alto é o visual da animação. Sanders afirma ter se inspirado em clássicos da Disney e em produções de Hayao Miyazaki (“A Viagem de Chihiro”, “O Castelo Animado”). O cineasta descreve o estilo de “Robô Selvagem” como “uma pintura de Monet em uma floresta de Miyazaki”. Além de lembrar obras clássicas, a produção é parecida com a estética de “Gato de Botas 2 – O Último Pedido” (2022), também da DreamWorks.
A animação também cativa o espectador com as expressões “reais” dos animais, sendo fácil de notar em seus rostos a graça, a raiva, a vergonha, a felicidade, o medo, a tristeza e tudo o mais que constrói a personalidade única de cada personagem. Além disso, os elementos presentes na floresta são quase palpáveis: é possível imaginar as águas dos rios, a queimada das árvores e os flocos de neve fora das telonas. É tudo muito realista, mesmo dentro da estilização proposta, o que resulta em um espetáculo de cores e texturas.
Voltando à pergunta principal do filme, peço licença para respondê-la: a função de “Robô Selvagem” no mundo do audiovisual é cativar o público com uma história emocionante, engraçada e profunda, com um visual deslumbrante e personagens adoráveis. E a obra cumpre seu propósito com maestria.
Agora, quando perguntarem sobre a minha função ou propósito na vida, eu vou me lembrar de uma das melhores frases da animação e responder que, na verdade, não importa. O que realmente faz a diferença é o processo de descobrimento, pois é nele que mora a arte da vida. ■
filme robô selvagem
filme robô selvagem
ROBÔ SELVAGEM (The Wild Robot, 2024, EUA). Direção: Chris Sanders; Roteiro: Chris Sanders (baseado no livro de Peter Brown); Produção: Jeff Hermann; Fotografia: Chris Stover; Montagem: Mary Blee; Música: Kris Bowers; Com: Lupita Nyong’o, Pedro Pascal, Kit Connor, Bill Nighy, Stephanie Hsu, Mark Hamill, Catherine O’Hara, Matt Berry, Ving Rhames; Estúdio: DreamWorks Animation; Distribuição: Universal Pictures; Duração: 1h 42min.
filme robô selvagem
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Onde ver "Robô Selvagem" no streaming:
Jornalista e crítica de cinema, sempre que pode está falando de filmes de heróis, animações, comédias românticas ou blockbusters. O jornalismo esportivo foi sua grande paixão durante a graduação. Há pouco, descobriu que o que gosta mesmo é de falar sobre produções audiovisuais, sejam elas filmes que concorrem ao Oscar ou um bom título do Darren Star. Atualmente também trabalha como produtora de TV na Rede Minas.