De acordo com a história, na Roma Antiga, havia diversas lutas com o mesmo intuito: entreter o público. Soldados renomados e respeitados brigavam entre si, escravos se enfrentavam buscando mais um dia de vida e até animais, como tigres e leões, protagonizavam batalhas com homens. Algumas dessas lutas serviam só para definir quem era o mais forte. O perdedor apenas precisava lidar com a derrota, mas, em alguns casos, era morto diante da plateia, dando uma glória ainda mais expressiva ao vencedor.
Existiam lutas comuns, consideradas “só mais uma”. Por outro lado, havia também embates importantes, com soldados de reputação inquestionável quando o assunto era guerra. Esses, claro, mereciam um espetáculo. Coliseus lotados, grandes, bem estruturados, com música e todos os artifícios que podem ser usados para transformar aquele confronto em um grande evento.
Assim como essas lutas, há também filmes que são feitos para serem um verdadeiro espetáculo. Produções caras, com grandes profissionais por trás das câmeras, excelentes atores, figurino, fotografia, som… Tudo o que é preciso para um grande número audiovisual. “Gladiador ll” é um desses espetáculos.
Na trama, anos após presenciar a morte do idolatrado herói Maximus (Russell Crowe) pelas mãos de seu tio (Joaquin Phoenix), Lucius (interpretado por Paul Mescal) está diante de um novo desafio: após ter sua cidade tomada por tiranos que agora estão à frente de Roma, ele precisa reencontrar força e coragem para entrar no Coliseu e conquistar sua sobrevivência e a honra da cidade. O longa é uma sequência direta da aclamada produção de 2000, que levou cinco estatuetas do Oscar, inclusive a de Melhor Filme e Melhor Ator, entregue a Crowe.
O primeiro “Gladiador” é um filme completo. O trabalho do diretor Ridley Scott foi impecável e não deixou pontas soltas, que precisavam de respostas. O roteiro de David Franzoni, John Logan e William Nicholson encerrou a jornada de seus protagonistas de forma coesa. Talvez por isso, pela qualidade da narrativa, surge o questionamento sobre a necessidade de uma continuação 24 anos depois.
Se pensarmos apenas no sucesso de bilheteria e crítica que foi o primeiro longa, a resposta certamente seria “sim, é necessário”. Afinal, não é de hoje que Hollywood aposta em continuações de filmes bem-sucedidos, com o intuito de arrecadar ainda mais dinheiro. Mas, neste caso, o risco poderia ser grande. Os tempos são outros, as pessoas não vão mais ao cinema com a mesma frequência, e lucrar em cima de uma produção que custou cerca de 290 milhões de dólares pode ser mais difícil.
Deixando de lado o questionamento, a verdade é que, sendo necessário ou não, “Gladiador II” foi realizado, e realizado muito bem. O espetáculo está todo ali na telona e o investimento feito é claramente perceptível. Roma está ainda mais bonita e elaborada em sua apresentação estética, com Ridley Scott trazendo de volta profissionais com quem trabalhou no filme de 2000 e adicionando alguns novos nomes que contribuíram positivamente.
David Franzoni estava à frente do roteiro de “Gladiador”, e agora, assume a produção da sequência. O texto do novo longa é de David Scarpa, que esteve com Scott em “Napoleão” (2023). Ele também é autor do argumento ao lado de Peter Craig (que participou de “The Batman”). O figurino é assinado novamente por Janty Yates (vencedora do Oscar em 2000), que tem ao seu lado David Crossman. John Mathieson também está de volta na direção de fotografia. O retorno desses profissionais foi essencial para manter a unidade estética em relação ao filme anterior.
O roteiro de “Gladiador II” não é uma obra-prima, mas também não é um problema. O enredo é simples, um pouco previsível, porém, os personagens são interessantes e suprem a falta de profundidade dos diálogos. Paul Mescal como protagonista faz um bom trabalho, mas poderia ter sido mais carismático no papel de Lucius, problema que não é tão perceptível por causa de sua interação com Denzel Washington (que interpreta Macrinus). Quando os dois estão em tela, o antagonista, que no segundo ato se estabelece como principal vilão, promove diálogos que cobram uma atuação de alto nível de Mescal, e o ator claramente cresce quando está contracenando com Washington.
Lucius é o bom sujeito que sofreu perdas e chega à trama com raiva e sede de vingança. Porém, sabemos disso por causa do enredo, pois na maioria das cenas Mescal não consegue expressar a fúria que seria essencial para a construção narrativa do filho do grande Maximus. Enquanto isso, Macrinus envolve o espectador com sua frieza, esperteza e seu jeito enigmático. Pedro Pascal, no papel de Marcus Acacius, também entrega o que seu personagem demanda, trazendo à tela a força, o propósito e o carisma de um soldado renomado.
Visualmente, “Gladiador II” tem tudo o que um filme épico precisa: uma cenografia que transporta o público para aquele tempo e uma fotografia impactante e grandiosa, mas também sombria em momentos certos. O figurino novamente é tão importante que é praticamente um personagem, deixando bem claro quem fazia parte da classe nobre de Roma, quem eram as pessoas que viviam uma vida comum e quem eram os escravos ou os mais pobres.
Mas o auge da produção são as cenas de luta. Elas são muito bem coreografadas e coordenadas, e suas consequências são mostradas por meio de um trabalho incrível dos efeitos visuais. As cenas em que os braços e dedos são arrancados, as cabeças são decepadas e os buracos que as flechas abrem nos peitos dos soldados ficam visíveis causam repulsa dado o realismo com que são construídas.
Em suma, “Gladiador II” serve com êxito ao mesmo propósito das lutas da Roma Antiga: entretém o público. Porém, diferente da grande reputação alcançada pelo primeiro filme, este pode ser considerado “só mais uma” grande produção de Hollywood. ■
GLADIADOR II (Gladiator II, 2024, EUA, Reino Unido). Direção: Ridley Scott; Roteiro: David Scarpa; Produção: Ridley Scott, Michael Pruss, Douglas Wick, Lucy Fisher, Walter F. Parkes, Laurie MacDonald, David Franzoni; Fotografia: John Mathieson; Montagem: Claire Simpson, Sam Restivo; Música: Harry Gregson-Williams; Com: Paul Mescal, Pedro Pascal, Joseph Quinn, Fred Hechinger, Lior Raz, Derek Jacobi, Connie Nielsen, Denzel Washington; Estúdio: Scott Free Productions; Distribuição: Paramount Pictures; Duração: 2h 28min.
Jornalista e crítica de cinema, sempre que pode está falando de filmes de heróis, animações, comédias românticas ou blockbusters. O jornalismo esportivo foi sua grande paixão durante a graduação. Há pouco, descobriu que o que gosta mesmo é de falar sobre produções audiovisuais, sejam elas filmes que concorrem ao Oscar ou um bom título do Darren Star. Atualmente também trabalha como produtora de TV na Rede Minas.