"Malu" (2024), de Pedro Freire - Filmes do Estação/Divulgação
"Malu" (2024), de Pedro Freire - Filmes do Estação/Divulgação

“Malu”: às afetações de gerações em conflito

Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
“Resíduo”, Carlos Drummond de Andrade

O longa-metragem “Malu” estreou no circuito de festivais e iniciou, pouco a pouco, seu processo de encanto. Vencedora de diversos prêmios no Festival do Rio, selecionada para a 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e para o Janela Internacional de Cinema do Recife, a obra é um sensível retrato de momentos dolorosos na vida da atriz Malu Rocha.

Sua jornada de dedicação ao teatro começou nos palcos da companhia Teatro Oficina, onde encenou peças como “Don Juan”, o musical “Hair” e Balbina de Iansã”. Mais tarde, Malu foi uma das fundadoras da companhia Viagem Produções Artísticas, que, entre diversas montagens, levou ao teatro espetáculos como “Sob o Signo da Discotèque”, “Um Casal Aberto ma non Troppo”, “Ladrão que Rouba Ladrão” e “Boca Molhada de Paixão Calada“. Atriz apaixonada, Malu fez ainda papéis em novelas da Rede Globo e outras emissoras, participando também de filmes.

Com uma alma voraz em viver a arte até o final da vida, Maria de Lourdes Carvalho Carneiro faleceu em junho de 2013, aos 65 anos. Tempo antes, ela havia sido diagnosticada com mal de Prion, e sofria com mudanças de comportamento, perda de memória, entre outros sintomas.



O filme “Malu” marca a estreia na direção de Pedro Freire em uma obra cinematográfica. Filho da atriz, ele cria um recorte pujante da vida da mãe, transformando as relações familiares em peça.

Na trama, Malu (Yara de Novaes) vive com a mãe, dona Lili (Juliana Carneiro da Cunha) em uma casa construída em um terreno que também acomoda a pequena casa de Tibira (Átila Bee), um jovem ator amigo da protagonista. Diante dos embates e verdadeiras brigas de costumes que nascem por motivos diversos entre Lili e Malu, a filha da atriz, Joana (Carol Duarte), volta para casa depois de uma temporada em Paris.

Em meio a diferentes maneiras de ver o mundo, a contemporaneidade e o afeto, mãe, filha e neta se confrontam em batalhas diárias, repletas de palavras ditas (que talvez não deveriam ter sido) e não ditas (que talvez deveriam ter sido).

"Malu" (2024), de Pedro Freire - Filmes do Estação/Divulgação
“Malu” (2024), de Pedro Freire – Filmes do Estação/Divulgação

Yara de Novaes interpreta Malu em uma performance brilhante, capaz de encapsular as diversas versões e contraversões de uma mulher apaixonada pela arte, que é firme em suas posições e sonhos, não aceita ser contrariada e vive em um misto de emoções exacerbadas. Teimosa diante da realidade que vive, Malu vive seus dias com o gostinho do que foi e do que poderia ter sido, remoendo o passado e especialmente lutando contra as dores marcadas para sempre em si, como os momentos de extremo medo e horror durante o regime ditatorial militar.

Ao longo do filme, nas falas pujantes de Malu, esse momento de repressão da história do Brasil ainda é muito vívido e definidor. Para tantas pessoas que experienciaram a ditadura, ela segue. Afinal, muitos de seus horrores continuam impunes, mortes e desaparecimentos, sem solução.

Como em uma dicotomia entre três gerações, cada uma das mulheres presentes na obra representa uma geração. Lili é uma senhora daquelas, racista, tradicional e católica, constantemente ofendendo a existência de Tibira com comentários ultrajantes e se vendo completamente desolada com as transgressões da filha.

Malu é produto de uma geração que cresceu produzindo contracultura: rebelde e teimosa, ela encara a vida de maneira lúcida, luta contra os preconceitos da mãe e odeia caretices. Palavrões voam no seu vocabulário e suas ações pouco se baseiam no que os demais vão achar. Totalmente independente e revolucionária, Malu sonha e, mesmo sem querer, culpa os outros pelas faltas de concretude.

Joana, por sua vez, é a representação de uma geração mais nova, preocupada com o futuro do mundo, da família, de si mesma. Ela sabe apontar as faltas na avó e os excessos da mãe.

"Malu" (2024), de Pedro Freire - Filmes do Estação/Divulgação
“Malu” (2024), de Pedro Freire – Filmes do Estação/Divulgação

A ficção criada por Pedro Freire como forma de homenagear a história de sua mãe é pessoal e repleta de singularidades. Porém, é também extremamente fácil para o espectador se conectar com a obra e enxergar sua própria vivência naquelas personagens. “Malu” é um extravasamento que escorre do seio familiar e explode diante do mundo. É um retrato ficcional daquilo que é real. ■

filme malu

Nota:

filme malu

MALU (2024, Brasil). Direção: Pedro Freire; Roteiro: Pedro Freire; Produção: Tatiana Leite, Roberto Berliner, Sabrina Garcia, Leo Ribeiro; Fotografia: Mauro Pinheiro Jr.; Montagem: Marilia Moraes; Música: Jonas Sá; Com: Yara de Novaes, Juliana Carneiro da Cunha, Carol Duarte, Átila Bee; Estúdio: Bubbles Project, TvZero; Distribuição: Filmes do Estação; Duração: 1h 40min.

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