Indicado ao Oscar 2025 nas categorias de Melhor Ator Coadjuvante (Kieran Culkin) e Melhor Roteiro Original, “A Verdadeira Dor” é um filme que se destaca não pela sua forma, mas pela profundidade do texto bem escrito e pelas atuações marcantes de seu elenco. A direção de Jesse Eisenberg (que além de dirigir, também protagoniza a obra), embora simples, é eficaz, e o longa se revela como um estudo de personagens que mistura os gêneros da comédia e do drama.
Quando olhamos para os horrores e tragédias do mundo e da humanidade, passamos a reconhecer as consequências devastadoras que repercutem para sempre, causadas pela dor que transborda e pela dor que se silencia. Este filme é sobre os diferentes tipos de dor.
O filme segue os primos David (Jesse Eisenberg) e Benji (Kieran Culkin) quando se reencontram em uma viagem, com um grupo turístico, após a morte de sua avó, uma judia sobrevivente do Holocausto. A dinâmica entre os atores que compartilham o mesmo estilo de atuação, marcada por diálogos rápidos e sarcásticos, com piadas afiadas, reflete a intimidade e cumplicidade entre os personagens, primos que cresceram juntos como irmãos.
Kieran Culkin, com seu olhar melancólico e humor ácido, entrega uma performance cheia de carisma. Embora seu estilo de atuação seja repetido em diferentes papéis ao longo da carreira, ele parece escolher bem os personagens que interpreta e que combinam e funcionam perfeitamente com sua forma de performar. Em “A Verdadeira Dor”, sua interpretação é impressionante, especialmente por sua habilidade de transitar entre o humor e o drama, já reconhecido e premiado no Globo de Ouro 2025, logo depois de também ter sido premiado por Melhor Ator em Série de Drama no Globo de Ouro 2024, pela série “Succession”, interpretando o personagem Roman Roy.
Jesse Eisenberg também repete o estilo de atuação pelo qual é conhecido, com as mesmas características de Culkin. Embora a repetição do estilo de ambos os atores possa ser vista como um risco, ela funciona perfeitamente aqui, trazendo um tom coeso e autêntico para o filme. A atuação dos dois é essencial para que a narrativa se desenvolva com fluidez, com personagens que lidam com a ambiguidade do peso e da leveza dos nuances da comédia dramática, ao tratar de temas profundos como dor pessoal e histórica.
Entre os dois, Kieran é o grande destaque. Sua habilidade de representar a dor do personagem, enquanto equilibra momentos de leveza e humor, neste filme é impressionante e emocionante. Sua atuação é uma verdadeira montanha-russa emocional, transitando entre a tragédia e o carisma de forma fluida e natural, trazendo profundidade e comicidade, sem tirar o peso e o respeito pelos temas e situações difíceis que o filme apresenta.
Há cenas, como aquela em que Benji interage com esculturas durante uma visita turística, que se tornam momentos leves e acolhedores, contrastando com outras, como um momento que aparentemente não teria nenhum gatilho dramático, ele tem um “breakdown” numa simples viagem de trem, e vem à tona todo o desconforto, dor e culpa do personagem que discute conceitos de reparação histórica, memória e reconhecimento pelo passado trágico que está diante dele e que faz parte de quem ele é. Vemos durante todo o filme o personagem que é extremamente complexo, lidando com sentimentos mistos de rejeição, luto e depressão.
O contraste entre os dois primos é claro: Benji, interpretado por Kieran, lida com a depressão, enquanto David, de Eisenberg, lida com a ansiedade. Enquanto Benji alterna entre momentos de empolgação e agitação, com a tristeza sempre presente e a ponto de transbordar a qualquer momento, David tenta mascarar seus sentimentos por meio de uma fachada de rigidez e controle, também lidando com a dor de uma forma mais interior ao personagem.
Ao trazer o Holocausto para o centro da narrativa, o filme oferece uma reflexão sobre como lidamos com as feridas do passado, como a memória e a reparação histórica afetam as gerações seguintes e de que maneira o peso da história continua a reverberar. “A Verdadeira Dor” expõe também a necessidade de reconhecimento histórico e a importância da esperança, destacando o impacto devastador de um genocídio que não pode ser esquecido. O filme se torna um lembrete de que é essencial lutar contra o preconceito e a intolerância, em uma narrativa emocionante que desenvolve personagens que estão conectados pela dor, mas que apresentam as diferentes formas de senti-la e de curá-la. ■
A VERDADEIRA DOR (A Real Pain, 2024, EUA). Direção: Jesse Eisenberg; Roteiro: Jesse Eisenberg; Produção: Ewa Puszczyńska, Jennifer Semler, Jesse Eisenberg, Emma Stone, Ali Herting, Dave McCary; Fotografia: Michał Dymek; Montagem: Robert Nassau; Com: Jesse Eisenberg, Kieran Culkin, Will Sharpe, Jennifer Grey, Kurt Egyiawan, Liza Sadovy, Daniel Oreskes; Estúdio: Topic Studios, Fruit Tree, Rego Park, Extreme Emotions; Distribuição: Searchlight Pictures; Duração: 1h 30min.
Onde ver "A Verdadeira Dor" no streaming:
Crítico, roteirista e professor. Graduado em cinema e audiovisual pelo Centro Universitário UNA. Desde 2017 atuando de forma independente em: produção e curadoria em projetos de cineclubes; análise/crítica; comentários de filmes em mostras de cinema; roteiro; ensino sobre linguagem cinematográfica, escrita, artes e mídias.