"Setembro 5" (September 5, 2024), de Tim Fehlbaum - Paramount Pictures/Divulgação
Paramount Pictures/Divulgação

“Setembro 5”: Quem sabe faz ao vivo

Existem duas perspectivas possíveis para se avaliar “5 de Setembro”. Uma é a puramente estética, que permite enxergar o filme como um retrato fascinante, envolvente e bem realizado de uma cobertura que, em certa medida, inventou o telejornalismo como o conhecemos hoje. A outra, ética, implica ver o longa como exemplar de uma prolífica leva de 2024 – da qual fazem parte títulos como “O Brutalista”, “A Verdadeira Dor” e “Lee” – que, em meio ao genocídio em curso do povo palestino pelo governo de Israel, resgata narrativas do martírio histórico sofrido pelos judeus, enquadrando-os no lugar de vítimas, enquanto personagens ditos “árabes” são apresentados como “terroristas”, sem nome nem subjetividade.

Feita essa ressalva política necessária (estes são os tempos que nos são dados), a crítica a seguir opta por focar nos aspectos estéticos do filme – porque, afinal, este não é um site de política. Terceiro longa dirigido pelo suíço Tim Fehlbaum (“Refúgio”), “5 de Setembro” retrata os bastidores da cobertura ao vivo feita pelo canal norte-americano ABC no dia do título em 1972 quando, bem no meio das Olimpíadas de Munique, oito integrantes da organização militante Setembro Negro invadiram o dormitório israelense, mataram duas pessoas e mantiveram nove reféns, em troca da libertação de 200 presos políticos palestinos.

Ainda assombrados pelo fantasma da Segunda Guerra, que havia terminado há menos de 30 anos, os Jogos Olímpicos na Alemanha foram os primeiros a serem transmitidos ao vivo pela televisão no mundo todo. E o filme foca na equipe de jornalismo esportivo – especialmente o jovem, pouco experiente, mas competente diretor de vivo Geoffrey Mason (John Magaro), o produtor jornalístico Marvin Bader (Ben Chaplin), o diretor de esportes Roone Arledge (Peter Sarsgaard) e a jovem tradutora alemã Marianne Gebhadt (Leonor Benesch) – que se vê responsável pela cobertura ininterrupta de um dos eventos mais traumáticos do século XX.



Esse recorte diferencia de imediato “5 de Setembro” de “Munique” – o longa realizado por Steven Spielberg sobre o mesmo episódio e mais centrado nos seus meandros políticos e na vingança israelense – e torna o filme de Fehlbaum um clássico instantâneo sobre o mundo do jornalismo. Isso porque a montagem impecável do editor Hansjörg Weißbrich (“Ela Disse”, “O Homem Ideal” e da série “Unorthodox”) imprime na tela o ritmo implacável e sem tempo para respirar do que se passa nos bastidores de uma transmissão televisiva diante de um evento dessa magnitude. Seus cortes rápidos mostram como os personagens têm o tempo todo que direcionar sua atenção de uma tela para outra, uma imagem para outra, uma nova informação a outra, sem tempo para pensar muito, mas sem jamais impedir que o espectador aprecie o excelente trabalho feito pelo elenco.

Porque é graças ao trabalho dos atores, ajudados pelo ótimo roteiro e calibrados pela boa direção, que aqueles bastidores parecem tão reais. Em especial, John Magaro – cujo talento pode ter passado despercebido nos ótimos “First Cow” e “Vidas Passadas” – transmite com perfeição a excitação de um  jovem jornalista que se vê diante do furo com o qual todo profissional sonha, misturada com a insegurança de alguém que acordou pensando que ia dirigir um jogo de vôlei inexpressivo e acaba confrontado com dilemas morais que desestabilizariam os veteranos mais calejados.

O grande destaque, porém, é Leonor Benesch: a atriz, que já havia realizado um excelente trabalho em “A Sala dos Professores” no ano passado, expressa no rosto da tradutora Marianne toda a complexidade moral e a tensão inimaginável da situação. Única alemã da equipe, ela vê não só a si própria, mas o seu país, sendo julgados por todos ao seu redor, enquanto tem a obrigação de traduzir simultaneamente todas as informações que chegam incessantemente, da melhor forma possível, engolindo em silêncio os comentários e críticas que ouve. É por esse seu trabalho de “tradução” sintetizar, de certa forma, o que todos os personagens de “5 de Setembro” estão tentando fazer que a personagem é tão fundamental – ganhando, não por acaso, a frase que sintetiza o filme (e o jornalismo): “nós olhamos para a noite, esperando que algo acontecesse, porque queríamos tirar uma foto”.

A descrição resume, especialmente, o que o jornalismo viria a se tornar com os canais de cobertura 24h, como GloboNews e CNN, e seu ímpeto de mostrar tudo ao vivo, imediatamente, sem tempo para interpretar ou apurar – ou, no melhor dos casos, apurando no ar. Mostrar o momento em que essa nova era da televisão nasce é o que torna o longa de Fehlbaum tão fascinante – especialmente em enxutos 94 minutos, que permitem ao espectador sentir o pouquíssimo tempo que aquelas pessoas tiveram para tomar decisões históricas e, ainda assim, dando subjetividade e nuance a cada uma delas, sem ignorar que uma ser negra ou franco-argelina faz diferença ali. E para não dizer que não falei de flores: os únicos personagens que não têm direito a essa nuance e subjetividade são… os palestinos. ■

Nota:

SETEMBRO 5 (September 5, 2024, Alemanha, EUA). Direção: Tim Fehlbaum; Roteiro: Moritz Binder, Tim Fehlbaum, Alex David; Produção: Philipp Trauer, Thomas Wöbke, Tim Fehlbaum, Sean Penn, John Ira Palmer, John Wildermuth; Fotografia: Markus Förderer; Montagem: Hansjörg Weißbrich; Música: Lorenz Dangel; Com: Peter Sarsgaard, John Magaro, Ben Chaplin, Leonie Benesch; Estúdio: BerghausWöbke Filmproduktion, Projected Picture Works, Constantin Film, Edgar Reitz Filmproduktion; Distribuição: Paramount Pictures; Duração: 1h 34min.

Onde ver "Setembro 5" no streaming: