Pode parecer estranho, mas histórias de contos de fadas são feitas para que o público acredite naquilo que está vendo. A magia, o romance, a bondade, os animais que cantam, os utensílios de casa que dançam… Tudo isso deve ser mostrado de forma lúdica para que o espectador possa acreditar no encanto e embarcar naquela narrativa. Se os elementos apresentados não conseguem provocar essa crença, o conto de fadas não existe, e passa a ser um enredo qualquer. E é exatamente isso que “Branca de Neve” (2025) é: mais um filme esquecível da Disney.
O longa é uma releitura live-action do clássico animado de 1937. A produção acompanha a jovem princesa Branca de Neve (Rachel Zegler), cuja beleza desperta a inveja de sua madrasta, a Rainha Má (Gal Gadot). Determinada a eliminar a jovem, e se tornar a pessoa mais bela do mundo, a vilã ordena a morte da jovem, mas Branca de Neve consegue escapar e se refugia na floresta. Lá, ela encontra uma cabana onde vivem sete anões amigáveis, que a acolhem e se tornam seus aliados na luta contra o mal que a rainha representa.
Vilã, princesa, floresta mágica, bichos saltitantes… O filme mostra tudo isso em tela, mas nada é emocionante ou crível. Na história original dos irmãos Grimm, a Rainha Má é alucinada por sua beleza e quer ser a mulher mais linda do reino. Olhando para este quesito, a escolha de Gal Gadot para o papel foi acertada, já que é um dos rostos mais admirados do cinema hollywoodiano atualmente, com uma beleza marcante e notada nas produções de que participa. Logo, para ser a rival da personagem, era necessário escalar no elenco uma jovem que apresentasse mais do que uma aparência bela no olhar geral. Era preciso que a atriz que fizesse Branca de Neve mostrasse carisma, expressões marcantes e uma atuação potente. Porém, Rachel Zegler não consegue mostrar isso em cena.

A personagem da atriz não tem luz, e mesmo nos momentos em que ela quer mostrar a fé que tem em sua força, isso não acontece e é difícil acreditar que a moça realmente quer trazer de volta a alegria ao seu reino, ou que ela é capaz de enfrentar uma jornada de desafios para encontrar seu pai. Falta uma postura que transmita atitude, inteligência, força e tudo o mais que é preciso para uma protagonista de um conto de fadas encantar as pessoas do outro lado da tela. O resultado final só não é pior porque os personagens principais também não têm brilho. Gadot entrega beleza e carisma quando aparece, porém, acaba aí. A sua presença não é imponente, como deveria ser uma vilã tão forte e importante como a Rainha Má. E Jonathan, o interesse amoroso de Branca de Neve, interpretado por Andrew Burnap, segue a mesma linha: não tem carisma, identidade ou presença marcante.
Também não dá para crer no amor do casal protagonista. A falta de sintonia entre os dois é perceptível e a história deles se torna ainda menos harmoniosa com a direção que o enredo toma nas mãos de Marc Webb (de “(500) Dias com Ela” e “O Espetacular Homem-Aranha”). Na mesma cena em que Branca de Neve fala que Jonathan só pensa nele mesmo, a personagem, de repente, se diz apaixonada por ele e ele por ela. Não houve um diálogo, uma aproximação, um encantamento, nada. Um amigo fala à ela: “ele gosta de você”, e automaticamente isso se torna verdade, sem nenhum afeto demonstrado em tela.
“Branca de Neve e os Sete Anões” foi lançado há 88 anos. A partir deste fato, é mais do que compreensível que a Disney quisesse apresentar uma obra atualizada, para conversar com o público dos dias de hoje. Porém, isso foi feito de forma rasa, e as decisões do roteiro podem decepcionar tanto quem apoia que a releitura tinha que ser fiel ao filme original quanto quem acredita que o melhor seria dar uma repaginada no enredo.

A animação de 1937 foi um marco para a época: Branca de Neve foi a primeira personagem do estúdio a ganhar uma produção em longa-metragem e o enredo apresentava uma heroína corajosa e resiliente que enfrentava os desafios que surgiam. A roteirista deste remake, Erin Cressida Wilson (de filmes como “A Garota no Trem” e “O Preço da Traição”), poderia ter focado neste ponto e construído uma história grandiosa para a jovem, mostrando toda a sua determinação e doçura, mas não foi o que aconteceu.
O roteiro é medroso e isso se torna nítido, por exemplo, ao percebermos que o filme não tem uma princesa. O enredo só menciona o termo quando é para dizer que a jovem é filha do rei e da rainha, mas parece que quis deixar de lado toda a outra parte encantadora e mágica que acompanha a palavra. Inclusive, há uma música inteira que fala sobre “problemas de princesa”, menosprezando tudo o que envolve a nomenclatura.
E claro, se não há princesa, não há príncipe. Jonathan se acha superior por não ser esse homem rotulado e tem muito orgulho em ser alguém que só se dedica a seus problemas mais sérios e não está preocupado com as questões de uma moça indefesa. OK, dá pra entender que retratar princesas de décadas atrás em pleno 2025 é algo que precisa de cuidado, porém, contra fatos não há argumentos: Branca de Neve é uma princesa. Ela cuida dos seus amigos anões, organiza a caverna onde moram e é apaixonada pelo príncipe encantado, ao mesmo tempo em que luta pelo seu povo e busca reerguer o reino em que um dia foi dos seus pais. Não há necessidade de debochar do termo: é só reforçar que ela é uma princesa e também pode ser uma mulher independente e ativa.

O filme é tão sem vida que as cenas mais emocionantes da história são protagonizadas pelo anão Dunga, que foi criado usando animação CGI e é dublado por Andrew Barth Feldman. O personagem é o mais carismático do filme e é o único que consegue entregar emoção e expressões que arrancam um sorriso empático e carinhoso de quem assiste.
Os amigos de Jonathan, os guardas, o pessoal do vilarejo, a rainha boa, o rei… Todos são representados de forma básica, sem brilho. Até o figurino, que poderia ser mais impressionante e realçar a beleza visual, é apagado.
Tudo no filme é muito corrido. Antes do filme completar dois minutos de duração, os personagens já iniciam uma cena musical, que se repete várias vezes sem qualquer necessidade ou contexto. Não há tempo para a construção de um diálogo, não existe oportunidade para uma relação ser apresentada de forma completa… E o pior é ver que essa correria não serviu para nada. É triste notar que a adaptação live-action de uma das principais animações da Disney não tem emoção, encanto e nostalgia.
Aliás, há o sentimento nostálgico em um único momento: a clássica canção dos anões (“Eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou!”). É a parte melhor desenvolvida, visualmente e também no quesito alegria. Ou seja, um corte desta cena musical é mais emocionante e entrega melhor atuação do que todo o filme. Se havia tanto medo em contar a história de uma princesa, talvez a escolha correta seria fazer um longa apenas para os anões. Certamente, o resultado seria mais carismático e encantador do que fizeram em “Branca de Neve”. ■
Onde ver "Branca de Neve" no streaming:

Jornalista e crítica de cinema, sempre que pode está falando de filmes de heróis, animações, comédias românticas ou blockbusters. O jornalismo esportivo foi sua grande paixão durante a graduação. Há pouco, descobriu que o que gosta mesmo é de falar sobre produções audiovisuais, sejam elas filmes que concorrem ao Oscar ou um bom título do Darren Star. Atualmente também trabalha como produtora de TV na Rede Minas.