Moacyr Góes, quem diria, aquele que dirigiu os dois filmes do Padre Marcelo, decidiu fazer uma pornochanchada. Fazia tempo que não víamos uma em nossas telas, não? E poderíamos ter ficado assim. Afinal, é por causa desse gênero maldito que muita gente hoje em dia ainda diz que “cinema brasileiro é só sacanagem”. Com seu novo longa, Góes – e Marcos Palmeira, e Fernanda Paes Leme, e Flávia Alessandra, e os Barreto – apenas reafirma essa injustiça.
As expressões nordestinas, ditas a torto e a direito pelos atores, são o único motivo real de graça do longa. Sim, as frases e a pronúncia são engraçadas, mas isso não é mérito algum do filme. Não foram os roteiristas (Góes entre eles) que as inventaram. E além do mais, que valor há em compilar um dicionário de gírias se elas são usadas sem qualquer lógica, apenas para buscar o riso barato?
Lógica, aliás, é algo que falta ao roteiro como um todo, já que até mesmo os principais pontos da história (o tal “desafio ao diabo” e a paixão do protagonista por uma de suas quengas) vêm e voltam apenas quando convém para o andamento da trama. Para piorar, a narrativa acontece em um tom episódico inconstante, o que acaba por surpreender o espectador quando determinado personagem, outrora uma criança, surge já adulto, sendo que nenhum indício de passagem de tempo dá a entender quantos anos durou a odisséia de Ojuara (Palmeira) rumo à mítica terra prometida de São Saruê.
Nas mãos de um diretor de bom gosto (podia ter sido Guel Arraes, que participa do projeto como produtor), “O Homem Que Desafiou o Diabo” poderia ter sido um filme divertido, pois seu universo folclórico esconde esse potencial. No entanto, Góes o transformou em algo sujo (não me recordo de ter ouvido tantos palavrões gratuitos em outra produção nacional recente) e mal acabado. O diretor sequer tem noção das limitações da película que utiliza (o filme foi captado em Super 16mm e ampliado para 35mm) e faz inúmeros planos abertos nos quais pessoas, animais, árvores e outros elementos se tornam borrões – ainda mais quando o filme é visto em uma tela gigante de multiplex, local onde a produção busca seu público.
Já tivemos grandes filmes brasileiros lançados este ano, e em número bem maior do que no ano passado, vale dizer. Porém, os ruins que saíram são realmente de lascar. “Inesquecível”, “Meteoro”, “Primo Basílio” e, agora, “O Homem Que Desafiou o Diabo”, que o digam.

Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.